Na minha terra, amarelinha é maré, o que sobe; sopita, jamelão é pitanga, balão é bexiga e almôndega é pelota.
Foi assim que vivi os primeiros quinze anos de vida: descalça, displicente, descendo ruas feito deusa e comendo fruta no pé que nem pivete.
Só comia maçã quando ficava doente e tomava guaraná em dias de festa, furando a tampinha da garrafa com prego, que era para demorar mais a acabar, ou então, pra sacudir e fazer espuma para esguichar longe.
Nunca tinha visto piscina azulejada e pessoa que morasse em casa que tivesse uma, seria a pessoa mais feliz desse mundo.
O meu pai era um pai poderoso, paciente, puritano e preocupado. De noite, ele sentava na poltrona da sala, batia com a mão na perna e me chamava pra ir sentar no seu colo. A minha mãe colocava uma tigela cheia de pipoca sobre a mesa e a gente comia, dava risada e falava muito.
De vez em quando, meu pai viajava e meus irmãos e eu tirávamos sorte pra ver quem ia dormir com ela. Era uma cama quente, grande e gostosa.
No dia em que meu pai chegava tinha pirulito, bala e chicletes. Muita novidade que ele contava na sala e que a gente ouvia de olho arregalado. Ele, sem perder o embalo, falava dos lugares onde havia ido. Em um salão muito grande, uma moça de dedos compridos sentava ao piano e tocava... era lindo.
Ele nunca chegava perto da moça e nem do piano, mas morria de vontade.
Na minha terra, não tinha morro. Só o morro do cemitério o que não fazia nenhuma diferença porque a gente nunca ia lá mesmo. Todo mundo que a gente amava era bem vivo.
Na minha terra, as alamedas eram largas, longas e lindas. Nunca vi lugar melhor para andar de bicicleta, apostar uma corrida ou andar à toa. Eu descia da escola com um bando de gente do meu tamanho, comendo manga verde com sal, chutando pedras e dando risadas. Um dia desses eu vinha descendo e quando dobrei a esquina vi um caminhão muito grande na porta de casa. Gente de cara diferente e gente de cara conhecida espiando tudo. Apressei o passo e quando abri a porta vi meu pai sentado na minha cama com os olhos brilhantes. Na frente dele estava um piano grande e bonito.Tão grande que era maior do que eu. O meu pai chegou perto de mim, me abraçou e acariciou aquelas teclas brancas lentamente, como se estivesse tocando um bebê. E eu fiquei grogue, gaguejando. Sentei no banquinho, fechei os olhos, mexi os dedos sobre as teclas e fiquei ali. Fiquei tanto que nunca mais consegui me levantar dali.
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